
Foto: Pedro Rossi | IAB
Depois de vários anos de degradação, e mais de seis de obras, foi parcialmente concluída a restauração do Palácio Capanema, antigo edifício do Ministério de Educação e Saúde, depois Ministério da Educação e Cultura. Na “reinauguração”, ocorrida ontem, foram agraciadas 114 personalidades, vivas ou mortas, com a medalha da Ordem do Mérito Cultural. O edifício é considerado uma das mais importantes obras primas do modernismo mundial. O projeto, de 1936, é de autoria de uma equipe de então jovens arquitetos, sob a liderança de Lucio Costa (à altura, com 34 anos) e com Oscar Niemeyer (29), Jorge Moreira (32), Afonso Eduardo Reidy (27), Carlos Leão (30) e Ernani Vasconcelos (24), e consultoria de Le Corbusier. O Capanema se constituiu como um fenômeno. Como um país pobre pode produzir uma obra com a insuperável qualidade projetual e construtiva que o Capanema alcançou? Como arquitetos tão jovens, inexperientes, puderam definir um edifício com tanta qualidade? Como a construção, utilizando técnicas e materiais sofisticados, foi possível? Ademais, o edifício também conta com inédita integração das artes através de obras de Cândido Portinari (azulejaria e murais munumentais), 32 anos, Roberto Burle Marx (jardins), 27, Bruno Giorgi (escultura), 30 anos. Integração que se constitui como um dos pilares da doutrina da arquitetura moderna.
O Capanema é considerado o primeiro grande edifício no mundo que utilizou a parede de vidro, “curtain wall, uma das inovações da arquitetura moderna. Antes mesmo do edifício da Lever House, em Nova York, apresentado como dos pioneiros. Além da parede de vidro, os brises soleil, a estrutura independente, a planta livre e o terraço jardim. A restauração do Capanema, ora parcialmente concluída, foi trabalho competente e exaustivo de equipes de arquitetos e engenheiros, sob a tutela do Iphan, e da construtora Concrejato, além de inúmeros consultores especializados. Estrutura, revestimentos, mobiliário original, esquadrias, jardins, azulejaria, murais (ainda em restauro), todos objeto de trabalho cuidadoso.
Enfim, obra que precisa ser aplaudida por todos. Agora, trata-se de cuidar do aproveitamento do edifício restaurado. Qual o melhor uso? Como compatibiliza-lo com a desejada visitação do público, seja para o desfrute de uma obra arquitetônica invulgar, seja pelo significado que ela tem para a cultura brasileira?
Precisamos aplaudir o fato do governo federal ter prosseguido as obras iniciadas em 2019, considerando que o governo anterior, que as começou, logo depois cogitou vender o edifício, o que não se materializou pela grita da sociedade. Felizmente, habemos Capanema! O aplauso não pode sufocar, porém, a tristeza por se ver que na “reinauguração”, nas homenagens prestadas com a concessão das medalhas da Ordem do Mérito Cultural, não
se incluiram representações pessoais ou institucionais da arquitetura, nem da construção, da pintura, do paisagismo, da escultura – disciplinas exaltadas à excelência na própria obra que se “reinaugurou”. Senão, vejamos: Foram agraciados com a Grã Cruz 41 pessoas, com o grau de Comendador, 33, e com o grau de Cavaleiro, 37, incluindo entidades (segundo a relação divulgada).
Como o espírito do tempo em que vivemos tem forte embasamento na cultura de massa e, agora, na cultura digital, a listagem de agraciados de certo modo reflete essa situação. Inclui personalidades distinguidas da sociedade, cantores e cantoras (29), atores e atrizes (18), produtores e produtoras culturais (8), Músicos (2), escritores e escritoras (4), guitarrista (1), sociólogo e socióloga primeira-dama (2), pensadores e ativistas afro e indígenas (13), entre outros. Personalidades já falecidas – in memoriam – foram 26, inclusive o político e diplomata Joaquim Francisco de Assis Brasil, ministro da Agricultura na Revolução de 30, nascido em 1857 e falecido em 1938.
Mas, e quem teve responsabilidade no Capanema, no projeto, na obra, na preservação, na restauração, na arquitetura, na pintura, na escultura, no paisagismo? E, se é para homenagear a cultura brasileira, como deve, é claro, por que a seleção – ampla, generosa, como visto – não contemplou tais setores, personalidades ou instituições, o Iphan, por exemplo? Fica a pergunta. Muitas respostas talvez sejam possíveis.
Sérgio Magalhães.