Exposição da fotógrafa Joana França realizada na capital mexicana, com curadoria do IAB, encerra celebrando a democratização do acesso às expressões artísticas em espaços públicos
Por Sabrina Ortácio
Cerca de um milhão de pessoas passaram pela exposição “Una Nueva Arquitectura Brasileña” que ocorreu de 03 de setembro a 02 de outubro, no Paseo de la Reforma, uma das principais vias da Cidade do México. A exposição foi montada na calçada, com livre acesso ao público 24 horas por dia, em um trecho conhecido como Paseo de las Culturas Amigas, local muito próximo ao Anjo da Independência, um dos principais monumentos e símbolos da capital mexicana.
No local, a fotógrafa brasileira Joana França apresentou 40 imagens em tamanho grande de construções de prédios, casas, praças, auditórios e diversas edificações feitas por arquitetos brasileiros contemporâneos. A seleção das obras levou em conta exemplares de arquitetura e urbanismo adequadas às necessidades de enfrentamento à emergência climática.
Esta é a segunda exposição brasileira na galeria Paseo de las Culturas Amigas, que fica a céu aberto. O espaço foi criado em 2019 pelo Governo da Cidade do México, visando oferecer uma vitrine às várias Embaixadas que estão na capital e no país, além de promover a democratização do acesso às expressões artísticas fora das dependências de museus.
A exposição “Uma Nueva Arquitectura Brasileña” foi articulada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) com o Ministério das Relações Exteriores para divulgar a arquitetura brasileira no exterior e contou com o apoio institucional da Federación de Colegios de Arquitectos de la República Mexicana AC (FCARM) e Federação Panamericana de Associações de Arquitetos (FPAA). A organização foi da Embaixada do Brasil no México, em colaboração com o Ministério da Cultura e a Coordenação Geral de Assessores e Assuntos Internacionais da Cidade do México, por meio do Programa Galerias Abertas, que promove, de forma permanente, exposições em diversos espaços públicos da cidade. A mostra foi patrocinada pela empresa Braskem Idesa e Copa Airlines.
Honrosas Presenças
A cerimônia de abertura contou com honrosas presenças, como a do Embaixador do Brasil no México, Fernando Estellita Lins de Salvo Coimbra, acompanhado da embaixatriz Leonice (Leo) de Araújo Coimbra, da Coordenadora-Geral de Assessores e Assuntos Internacionais, da Cidade do México, da fotógrafa Joana França e do diretor cultural do IAB e curador da Exposição Luiz Eduardo Sarmento. O arquiteto David Rojas esteve representando o presidente da Federação Panamericana de Entidades de Arquitetura, assim como colegas da Federação de Colégios de Arquitetura da República Mexicana prestigiaram a solenidade. A primeira mulher a presidir a UIA, a arquiteta Sara Topelson esteve presente ao lado de diplomatas brasileiros que atuaram na viabilização da mostra: Liliam Chagas, Ministra-Conselheira da Embaixada do Brasil no México e Gustavo Raposo, chefe do Setor Cultural e Educacional.
Encontro com integrantes do Projeto Tour en Bici CDMX
Um ponto alto da mostra foi o encontro com os integrantes do projeto Tours en Bici CDMX mediado pela fotógrafa Joana França, com participação do curador Luiz Eduardo Sarmento e da diplomata Liliam Chagas. O projeto é promovido pelo arquiteto e ativista pelo direito à cidade Raúl Hernández Villafaña, que percorre as ruas da Cidade do México discutindo arquitetura, urbanismo, cultura, mobilidade urbana e cidades mais humanas. “Receber visitantes em bicicletas para falar de arquitetura, ocupando as ruas, foi fantástico”, destaca Luiz Sarmento.
Diálogo com a produção mexicana
Para Luiz Sarmento, a curadoria do Instituto de Arquitetos do Brasil levou ao México uma seleção representativa da arquitetura contemporânea brasileira que resolve o programa de necessidades com respeito ao lugar em que estão inseridas, que estimula um diálogo com a produção mexicana, que tem sido referência para inúmeros profissionais brasileiros, especialmente na busca de soluções inovadoras, sustentáveis e sem custos exorbitantes.
“A exposição foi muito bem recebida pelos colegas mexicanos, que ressaltaram a importância de se divulgar a produção arquitetônica mais recente feita no Brasil, cuja publicação ainda fica muito aquém de sua qualidade, sendo ainda eclipsada pela influente produção do movimento moderno no Brasil”, destaca o curador.
A presidente do IAB, Maria Elisa Baptista, destaca a importância do convite proposto nessa mostra: um diálogo entre a arquitetura cotidiana brasileira e as ruas da Cidade do México. “Pois não há lugar melhor para falar de arquitetura que na calçada, com as pessoas que por ali passam”, diz. Para ela, o tempo no mundo é um tempo variado e disperso. “Há muitos tempos ao mesmo tempo, e nós que vivemos em cidades tão desiguais bem o sabemos. Talvez por isso o ofício da arquitetura se faz tão necessário e tão exigente. Uma arquitetura do lugar, para as pessoas daquele lugar. Arquiteturas que valorizem as dádivas da natureza como o sol, vento, água, paisagem a pisar com delicadeza no mundo, certas de que o planeta é finito e a beleza é urgente. Arquiteturas que abriguem e construam, a cada dia, nossa cultura, nossa maravilhosa diversidade”, observa a presidente do IAB.
Confira abaixo artigo de autoria do curador Luiz Eduardo Sarmento:
Arquitetura contemporânea brasileira sob o olhar de Joana França
Le Corbusier em seu livro Por uma arquitetura, publicado em 1923, disse que “a arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz”. Se na produção arquitetônica é preciso dominar a matéria para que esta potencialize os efeitos da luz, cabe ao fotógrafo a tarefa de captar o melhor momento dessas obras em sua plenitude luminosa.
A fotógrafa Joana França cumpre essa tarefa com excelência. Principalmente sob a luz do Planalto Central do Brasil, com as mudanças cromáticas radicais da paisagem no decorrer dos períodos secos e chuvosos que dividem o ano. Joana tem aproveitado seu olhar sensível e produzido fantásticos registros da capital Brasileira, de sua reconhecida arquitetura moderna, de seus amplos espaços, escalas, contrastes e desigualdades de uma cidade nova que se transformou, em poucas décadas, em uma das maiores áreas metropolitanas do país, com um impressionante crescimento populacional. Perambulando pela capital sexagenária, Joana França parece ter aprendido como poucos o modo de fotografar Brasília sugerido por seu autor, o urbanista Lúcio Costa: deve-se fotografar “Brasília + gente. Convívio normal das pessoas com a beleza.”
Mas se seu olhar sensível e habilidade técnica já a consolidaram, ao lado de fotógrafos como Mário Fontenelle, René Burri, Marcel Gautherot e Thomaz Farkas, como uma das mais importantes fotógrafas da arquitetura moderna da capital inaugurada em 1960, é também através de seu olhar que podemos acessar – e com isso construir panoramas – o melhor da produção contemporânea da arquitetura brasileira.
O reconhecimento da qualidade de seu trabalho tem permitido a Joana França registrar, muitas vezes a convite das/os arquitetos e urbanistas autores do projeto ou de mídias especializadas, a produção arquitetônica brasileira em sua diversidade regional, estética e de soluções construtivas. Percorrendo quase todos os estados brasileiros, retratando cidades, patrimônio cultural edificado e, principalmente, a mais nova arquitetura construída em solo brasileiro.
Através do olhar de França é possível identificar como a produção contemporânea brasileira tem solucionado os problemas inerentes do fazer arquitetônico, como a relação com o clima e com a flora local, com as pré-existências e com limitações orçamentárias da obra. Em meio à vasta quantidade de registros fotográficos da obra de arquitetos e urbanistas em todo o Brasil, escolhemos mostrar ao público mexicano projetos que levam em conta o local onde estão inseridos e que apresentam soluções para a questão do conforto térmico e criação de áreas sombreadas, diminuindo o consumo energético, possibilitando ventilação cruzada e utilizando a vegetação como elemento ativo e indispensável nos projetos feitos para três climas brasileiros distintos: tropical úmido, com edificações construídas ou reabilitadas na Amazônia, clima semiárido quente, com projetos feitos na região do interior do nordeste brasileiro e para o clima típico das savanas que, no caso brasileiro, apresenta tanto invernos extremamente secos, quanto meses muito quentes e secos e verões com muita chuva.
Por meio desta mostra, organizada pela Embaixada Brasileira no México e curadoria do Instituto de Arquitetos do Brasil, pretendemos apresentar uma pequena parcela da arquitetura recente brasileira e intensificar os diálogos com a produção contemporânea mexicana, que tem se destacado e servido de referência para muitos profissionais brasileiros, principalmente devido às soluções inovadoras, adequadas ao lugar onde são feitas. Em ambos os países, tais edificações apresentam, muitas vezes, baixo custo e podem ser, portanto, relacionadas à democratização do acesso à arquitetura e à cidade em territórios marcados pela desigualdade de classes, que é tão visível em nossas cidades.
Ao público mexicano, que esta pequena mostra seja um convite a uma interação ainda maior entre a produção arquitetônica desses dois países culturalmente diversos e que se tornaram referências de arquitetura moderna. Também os aproxima o fato de que, nos últimos anos, ambos têm apresentado uma pulsante produção, com qualidade estética e soluções genuínas e que dialogam com sua história e condições ambientais.
*Luiz Eduardo Sarmento – Arquiteto e Urbanista, Diretor Nacional de Cultura do IAB