O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) marcou presença na audiência pública para discutir as habitações dos que foram afetados pelas chuvas ocorridas no município de Petrópolis (RJ). O encontro promovido pela Comissão Temporária de Petrópolis do Senado ocorreu na última quinta-feira (24/03) e contou com a representação da arquiteta Marcela Abla, vice-Presidente da Região Sudeste do IAB e também co-presidente do Departamento do Rio de Janeiro onde atua como conselheira superior.
Participaram da pauta os senadores Carlos Portinho (PL-RJ) e Romário, (PL-RJ); Rubens Bomtempo, Prefeito de Petrópolis; Allan Nogueira, subsecretário de Habitação do Estado do Rio de Janeiro; Laura Ferminano, Representante da Comissão de Vítimas das enchentes – Teresópolis; Cláudia Renata de Almeida Ramos, representante da Comissão de Vítimas das enchentes – Petrópolis; Marilene Martins Morelli, representante da Comissão de Vítimas das enchentes – Areal; Marcela Diniz Branco Rampini – Representante da Comissão de Vítimas das enchentes – São José do Vale do Rio Preto; representantes do INEA e o Secretario Nacional de Proteção e Defesa Civil, Alexandre Alves.
A arquiteta Marcela Abla abriu sua fala destacando que o departamento do Rio de Janeiro conta com diversos núcleos com o objetivo de atuar na interiorização do Instituto no Estado. Em Petrópolis, o IAB conta com o Núcleo de Arquitetura e Urbanismo (NAU – Petrópolis) com a Karina Wilberg (Presidente), Renée Kreuger, Adriano Gomes, além de outros arquitetos e urbanistas das mais diversas atuações que se uniram com o objetivo de pensar a cidade e promover ações locais.
“Faço uso da palavra como moradora com muito carinho pela cidade de Petrópolis uma vez que divido a minha morada entre a cidade do Rio de Janeiro e a cidade de Petrópolis desde pequena”, comentou. Para a arquiteta, a cidade de Petrópolis é muito complexa. Na questão ambiental e da paisagem vemos a necessidade de um Plano de Infraestruturas Verdes (macro, da região serrana) acima do Plano Diretor e do Planejamento Estratégico, para ativar os serviços ecossistêmicos, que contenha os espaços livres e os espaços naturais, com diretrizes ligadas aos processos de arborização e de vegetação interligando a cidade existente a partir de espaços livres e espaços da rede natural, recriando as bacias e margens de proteção dos rios, através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
“Na parte natural, é fundamental compreender os solos, as águas, os rios e os diferentes papéis e serviços que nos oferecem as árvores e a vegetação, entendida e pensada como ecossistemas”, destacou. Na parte urbanística, Marcela Abla diz que é preciso entrar no microplanejamento da cidade (trabalhando com os diferentes tipos de assentamentos), até chegar na escala da da unidade arquitetônica e do projeto urbano. Onde os espaços e equipamentos públicos devem ser concebidos com soluções baseadas na natureza também.
“A Cidade é um organismo vivo. Devemos pensar a cidade como um Rizoma interagindo com processos constantes e dinâmicos. A vida das pessoas deve estar sempre em primeiro lugar junto, também, a proteção de seus bens, entre os quais, a sua casa, direito constitucional de todo ser humano. A avaliação de risco deve considerar esses fatores avaliando o grau de exposição aos diferentes perigos e a vulnerabilidade de nossas cidades”, observou a representante do IAB. Para ela, é fundamental a prevenção, antecipar as catástrofes, mapear os riscos e informar a população. Devemos discutir os problemas e as soluções. Cabe a nós a responsabilidade de detalhar a legislação no nível da rua, do bairro para que o debate ocorra realmente com a participação da sociedade e com o desejo de requalificar o habitat, e pensar uma cidade com as pessoas e para as pessoas.
Outro ponto trazido por Marcela, foi a necessidade de criar estratégias de articulação intersetorial através da identificação e ordenamento dos sistemas territoriais integrados (naturais e culturais), para acompanhamento das políticas públicas, além da criação de um Fórum da Sociedade Civil para acompanhamento do Planejamento da cidade. Ela ainda apontou o papel das Secretarias de habitação, que hoje, em Petrópolis é um departamento, além da necessidade do reforço dos quadros técnicos, que para ela isso vale para todas as Prefeituras do país.
“É importante olhar para as nossas cidades partindo do nível particular para o global, ou seja, desde o habitar até o nível das politicas públicas estaduais e federais, que interferem no espaço municipal, e uma vez que estamos discutindo aqui com os três níveis de governo, articular a ação desde o nível das políticas públicas até o particular, ou seja, o nível privado, das casas”, enfatizou Marcela Abla.
Foto: Pedro França / Agência Senado
“Vamos fazer o máximo possível e até um pouquinho do impossível para esclarecer, resolver e ajudar. São muitos anos de sofrimento para as pessoas da Região Serrana. São pessoas que estão sofrendo e precisam urgentemente da ajuda do poder público. Temos que objetivar e trazer resultado rapidamente para esses vários problemas”, disse o senador Romário (PL-RJ).
O relator da comissão é o senador Carlos Portinho (PL-RJ). Ele pediu o apoio do governo federal para a superação do déficit habitacional na região, que supera as 6 mil unidades habitacionais. “A vontade é tirar o paletó, pegar o tijolo e o cimento e começar a construir. Mas a Região Serrana precisa do estado e, principalmente, precisa do governo federal. O que precisa é anunciar onde e quantas unidades vão ser construídas. Pelo menos para suprir esse déficit. Onde, como e quando?”, questionou Portinho.
A senadora Leila Barros (Cidadania-DF) afirmou que “ninguém constrói casa em região de risco porque quer”. Ela disse que a comissão externa vai cobrar do poder público a construção de casas e a acomodação definitiva das famílias desalojadas pelas chuvas. “Elas estão ali porque não têm condições. Precisamos fazer o mapeamento de terrenos públicos e o levantamento da população em áreas de risco. Diante das tragédias que são recorrentes nessa região, nós não podemos mais ficar calados. Não podemos mais deixar que o Estado seja omisso, sem a gente provocar, sem a gente reagir. Nosso papel é fiscalizar e provocar”, afirmou Leila Barros.
Emoção e lágrimas
A audiência pública contou com representantes da Comissão de Vítimas das Enchentes de quatro municípios do Rio de Janeiro: Petrópolis, Teresópolis, Areal e São José do Vale do Rio Preto. As quatro mulheres lembraram de vizinhos, amigos e parentes mortos pelas chuvas que, de tempos em tempos, castigam a Região Serrana.
Cláudia Renata Ramos representa mais de 2 mil famílias de Petrópolis desalojadas por enxurradas que se sucedem há pelo menos 20 anos. Ela própria se declara “uma resiliente” da tragédia de 2011, que deixou 73 mortos na cidade. A moradora criticou a demora da prefeitura para cadastrar e atender famílias com o Aluguel Social, benefício pago para tentar reduzir o déficit habitacional.
“Antes da tragédia do dia 15 de fevereiro, a gente já tinha 89 famílias que, desde 2011, não receberam o Aluguel Social. Estão em filas de espera. Eu perdi duas pessoas que poderiam estar em segurança em um conjunto habitacional de 24 apartamentos que não foram concluídos até hoje. É um conjunto inacabado de 10 anos atrás. Fica a minha indignação”, disse emocionada.
Quem também chorou durante a audiência pública foi Laura Ferminano, representante da Comissão de Vítimas das Enchentes de Teresópolis. Ela disse que as tragédias que se repetem na Região Serrana decorrem do descumprimento de dois artigos previstos na Constituição de 1988: o art. 5º determina que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, enquanto o art. 6º assegura direitos sociais como educação, saúde e moradia.
“Isso não tem sido feito. Meus mais profundos sentimentos a todas as famílias enlutadas de Petrópolis. Mais uma vez com uma lacuna aberta, mais uma vez contabilizando os mortos. De verdade, isso nos deixa muito indignadas. A dor de uma é a dor de todas. A luta de uma é a luta de todas”, disse Laura. Ela também criticou o programa Aluguel Social. Ela destacou que o benefício de R$ 500 está sem correção há mais de dez anos é insuficiente para que as famílias consigam morar em regiões seguras, distante de morros e encostas.
“Petrópolis e Teresópolis são cidades turísticas. Não existe casa fora de áreas de risco por R$ 500. Todas as nossas famílias que não têm condições financeiras de colocar mais um pouco de dinheiro para morar em um lugar melhor ainda continuam em áreas de risco. Há 11 anos, R$ 500? Não tem como. Tem famílias que, como não conseguem pagar o aluguel, estão voltando para suas casas interditadas” revelou.
A audiência pública contou ainda com a participação de moradores das cidades de Areal, Marilene Morelli, e São José do Vale do Rio Preto, Marcela Rampini. Elas lamentaram a morte de moradores de Petrópolis e cobraram a ampliação do programa Aluguel Social. “A cada recadastramento, o Estado dificulta e cai o número de pessoas atendidas. Quero um olhar humano, quero política humanizada, quero um plano de habitação que funcione e não fique só em teorias”, disse Marcela Rampini.
Fonte: Assessoria de imprensa IAB e Agência Senado