No sábado, 20 de maio, abriu para o público a 18ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia, cujo tema central é The Laboratory of the future [O laboratório do futuro] anunciada hoje pelo presidente da Biennale di Venezia, Roberto Cicutto, e pela curadora da exposição, Lesley Lokko. A participação oficial brasileira foi representada por Terra, projeto que ocupa o Pavilhão do Brasil baseado neste motivo fundante das concepções da formação nacional, com curadoria de Gabriela de Matos e Paulo Tavares e conta com a participação dos seguintes colaboradores: Ana Flávia Magalhães Pinto; Ayrson Heráclito; Day Rodrigues com colaboração de Vilma Patrícia Santana Silva (Grupo Etnicidades FAU-UFBA); coletivo Fissura; Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca do Engenho Velho); Juliana Vicente; Leandro Vieira; povos indígenas Mbya-Guarani; povos indígenas Tukano, Arawak e Maku; Tecelãs do Alaká (Ilê Axé Opô Afonjá); Thierry Oussou e Vídeo nas Aldeias. A mostra segue até o dia 26 de novembro de 2023.
Nessa edição o processo de indicação e seleção da curadoria, feita pela Fundação Bienal, contou com a participação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Fernando Tulio (da direção nacional e IABsp) e Sabrina Fontenelle (IABsp) representaram o instituto nessa oportunidade como convidados do júri de curadoria da Fundação Bienal.
Partindo de uma reflexão entre o Brasil de ontem, o de hoje e aquele porvir, a mostra coloca a terra no centro do debate tanto como poética quanto elemento concreto no espaço expositivo. Para isso, todo o pavilhão será aterrado, colocando o público em contato direto com a tradição das moradias indígenas, quilombolas e sertanejas, além dos terreiros de candomblé.
“Nossa proposta curatorial parte de pensar o Brasil enquanto terra. Terra como solo, adubo, chão e território. Mas também terra em seu sentido global e cósmico, como planeta e casa comum de toda a vida, humana e não humana. Terra como memória, e também como futuro, olhando o passado e o patrimônio para ampliar o campo da arquitetura frente às mais prementes questões urbanas, territoriais e ambientais contemporâneas”, contam os curadores.
Elementos de habitações populares brasileiras estão presentes na mostra já na entrada no pavilhão brasileiro, em contraste com os traços modernistas do prédio, caso dos gradis com o símbolo sankofa – pertencente a um sistema de escrita africano denominado Adinkra, dos povos acã da África ocidental, que foi muito usado nos desenhos de gradis, podendo ser visto em grande parte das cidades brasileiras, e quer dizer “olhar para o conhecimento de nossos antepassados em busca de construir um futuro melhor”.. Uma bandeira verde e rosa, de Leandro Vieira, também integra esse local de recepção, contrapondo-se à nacional. Nela, o emblema “ordem e progresso” é substituído pelos sujeitos que evocam a relação com a terra evocada pelos curadores chão: “índios, negros e pobres”.
A primeira galeria do edifício modernista é chamada pelos curadores de “Brasília Território Quilombola”, questionando o imaginário em torno da versão de que a capital do Brasil foi construída em meio ao nada, uma vez que indígenas e quilombolas que habitavam o lugar já eram retirados da região desde o período das Bandeiras, sendo finalmente empurrados para as periferias com a imposição da cidade moderna. Desse modo, o que se pretende expor é uma imagem territorial, arquitetônica e patrimonial mais complexa, diversa e plural da formação nacional e da modernidade no Brasil, apresentando outras narrativas por meio de arquiteturas e paisagens negligenciadas pelo cânone arquitetônico urbano, como a do Quilombo Kalunga, o maior do país, que se encontra a 250 km de Brasília. Com múltiplos formatos, as obras que preenchem a galeria vão da projeção de uma obra audiovisual da cineasta Juliana Vicente e criada em conjunto com a curadoria, comissionada para a ocasião, passando por uma seleção de fotografias de arquivo, organizada pela pesquisadora Ana Flávia Magalhães Pinto, ao mapa etno-histórico do Brasil de Curt Nimuendajú e o mapa Brasília Quilombola.
A segunda galeria, batizada de “Lugares de Origem, Arqueologias do Futuro”, nos recepciona com a projeção de dois vídeos de Ayrson Heráclito – O Sacudimento da Casa da Torre e O Sacudimento da Maison des Esclaves em Gorée, ambos de 2015 – e se volta para as memórias e a arqueologia da ancestralidade. Ocupada por projetos e práticas socioespaciais de saberes indígenas e afro-brasileiros acerca da terra e do território, a curadoria parte de seis referências essenciais: Casa da Tia Ciata, no contexto urbano da Pequena África no Rio de Janeiro; a Tava, como os Guarani chamam as ruínas das missões jesuítas no Rio Grande do Sul; o complexo etnogeográfico de terreiros em Salvador; os Sistemas Agroflorestais do Rio Negro na Amazônia; e a Cachoeira do Iauaretê dos Tukano, Aruak e Maku. A exibição demonstra o que várias pesquisas científicas comprovam: que terras indígenas e quilombolas são os territórios mais preservados do Brasil. Suas práticas, tecnologias e costumes ligados ao manejo e produção da terra, como outras formas de fazer e de compreender a arquitetura, estão situadas na terra, são igualmente universais e carregam em si o conhecimento ancestral para ressignificar o presente e desenhar outros futuros.
O tema e título desta edição considerará o continente africano como protagonista do futuro. “Há um lugar neste planeta onde todas essas questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se unem. África. A nível antropológico, somos todos africanos. E o que acontece na África acontece com todos nós”, explica Lokko.
Imaginando a exposição como uma oficina, ou laboratório, a Bienal de Arquitetura de Veneza 2023 convida “arquitetos e profissionais de um campo expandido das disciplinas criativas a extrair exemplos de suas práticas contemporâneas que traçam um caminho para o público imaginar, ele mesmo, o que o futuro pode reservar”. Inspirado no trabalho de Lokko sobre “A África como laboratório para o futuro”, o tema desta bienal procura oferecer novas definições para o futuro e para este laboratório.
“Esta é uma Exposição que, baseada em premissas muito práticas e pontos de vista muito específicos, olhará diretamente nos olhos dos representantes dos países participantes e de todos aqueles que lotarão o Giardini, o Arsenale e a Cidade de Veneza. Este evento busca falar com o mundo, que é a verdadeira razão pela qual uma Curadora assume a responsabilidade de organizar uma Exposição Internacional da Bienal. — Roberto Cicutto, Presidente da Bienal”
Saiba mais: https://biennialfoundation.org/2023/03/terra-2/
Matéria com informações publicadas pelo IAB SP e no site: https://artebrasileiros.com.br/evento/pavilhao-do-brasil-na-18a-mostra-internacional-de-arquitetura-la-biennale-di-venezia/