Por Sabrina Ortácio
É celebrado no dia 5 de outubro, o Dia Mundial da Arquitetura, escolhido em 1986 pela União Internacional de Arquitetos (UIA). Nesta mesma data a ONU-Habitat também comemora o Dia Mundial do Habitat.
Neste ano, as duas organizações definiram temas relacionados à melhoria da qualidade de vida e redução dos efeitos da crise climática por meio de ações no ambiente construído. Enquanto o tema do Dia Mundial da Arquitetura 2021 da União Internacional de Arquitetos é “Meio ambiente limpo para um mundo saudável”, o Dia Mundial do Habitat da UN-Habitat anunciou “Acelerando a ação urbana para um mundo livre de carbono” como tema.
As comemorações contaram com uma série de atividades ao longo da primeira quinzena de outubro no âmbito do projeto de webnários Circuito Urbano 2021, que dá visibilidade e apoio institucional a eventos organizados por diversos atores em todo o país.
Para marcar a ocasião, o IAB propôs uma roda de conversa sobre o direito à cidade e as fragilidades urbanas em um mundo em risco de colapso. Participaram do debate quatro pensadores que se debruçam sobre a história e o presente de luta por um futuro comum: Clarice Misoczky de Oliveira, Rodrigo Mindlin Loeb e Pedro Freire de Oliveira Rossi, mediados por Vera França e Leite.
A abertura do evento contou com a participação da presidente do IAB, Maria Elisa Baptista, destacando que lado a lado, as duas celebrações afirmam: uma não existe sem o outro. “E com que clareza a ligação profunda entre a arquitetura e a vida no planeta se apresenta!”, acrescentou. Para ela, a arquitetura trata da vida, do corpo e da alma, e de nosso lugar no mundo. “Mas nós arquitetos somos também o segmento mais crítico nesta linha de produção capitalista. Fazemos parte de um setor violento, basta ver as remoções, os despejos, a disputa pelo valor imobiliário”, observou.
Maria Elisa também leu um trecho do manifesto que celebra o centenário do IAB que afirma:
“O nosso tempo exige de nós a defesa de valores humanitários fundamentais aliados à preservação da vida do planeta – não há um sem o outro. Assim, afirmamos a luta pela proteção do ambiente natural e do patrimônio cultural como direito de todos e obrigação do Estado, a defesa dos povos originários e de seu direito aos territórios que reivindicam, a construção de um habitat sustentável pela adoção de um modelo de produção e consumo que elimine as práticas predatórias e a urgência de incentivos maciços à ciência, à tecnologia e à cultura, tríade fundamental para a tomada de decisões públicas e privadas de garantia das condições sanitárias, climáticas, ambientais e de inclusão social plena”.
O arquiteto Rodrigo Loeb lamentou que o valor da arquitetura e urbanismo está sendo colocado em xeque. “Se por um lado a arquitetura pode produzir, trazer dignidade, dar muitas direções possíveis, ao mesmo tempo se apoia e se utiliza de um modelo extrativista para sua produção”, destacou. Para ele, os arquitetos são protagonistas significativos desse momento de crise, com um viés muito de domínio. Ele observou que os efeitos negativos sejam nas questões ambientais ou nos problemas climáticos afetam principalmente pessoas que vivem em áreas de riscos. Para Loeb, estamos vivenciando o declínio da profissão do arquiteto e urbanista, como capazes de propor uma transformação neste momento de urgência. “Estamos apoiados numa estrutura que precisa de uma revolução”, alertou. Loeb acredita que no ponto de vista científico a mudança já está desenhada, mas no ponto de vista político não existe um cenário que permita fazer essa revolução. Um caminho evidente para isso é o que passa pelo ensino da arquitetura e urbanismo, pois é lá que se produz o modelo de como exercer a profissão fazendo a diferença. Mas porque não fazemos isso? Para Rodrigo Loeb existe uma questão de “o saber fazer”, e o “modo de fazer”, que estão muito ligados ao modo de trazer resultados reconhecidos como positivos no mercado.
O arquiteto Pedro Rossi concordou que os arquitetos precisam colocar novos horizontes na luta pelo direito à cidade. Ele ressaltou que o IAB foi uma entidade que sempre lutou pela democracia e por cidades mais justas. “Não podemos deixar de citar o Seminário de Reforma Urbana (Quitandinha), realizado em 1963, que foi um marco fundamental para muitas disputas e que nos trouxe alguns avanços”, lembrou. Ele observou que hoje temos que lidar com desafios, que nada mais são sequências de antigas demandas. “Minha provocação vem no sentido de destacar o legado do IAB que tem potência de mobilização, diálogo e influência política. Hoje, se temos alguma experiência é porque mantemos essa rede que o IAB articula e mobiliza há tantos anos, permitindo continuarmos com nossas lutas. Precisamos falar mais sobre os reais problemas da cidade, popularizar essa urgência!”, destacou Pedro Rossi.
Para a arquiteta Clarice Misoczky de Oliveira, a discussão na celebração do centenário do IAB, valoriza a história da entidade e a compreensão de que mudanças e transformações são necessárias. Ela acredita que é preciso refletir sobre qual o papel do arquiteto depois desse momento de pandemia e crise ambiental. “Vivendo numa sociedade capitalista e neoliberal a apropriação do espaço vem como mercadoria que produz desigualdades sociais tão presentes nas cidades brasileiras”, observou. Clarice diz que precisamos entender que papel o urbanista ocupa nesta organização e que ideologia é essa de organização do espaço. “As cidades brasileiras em tempos de pandemia mostraram que existem mais casas vazias do que gente sem casa. E mostra ainda que pessoas negras morrem mais que pessoas brancas de classe média”, lamentou a arquiteta. Ela também falou sobre mapas produzidos em São Paulo e Rio de Janeiro que mostram que é na periferia das cidades que ocorrem mais mortes por Covid. “Temos que pensar a cidade para a mulher preta e pobre que vive num lugar que não oferece mobilidade, que circula em espaços onde existem violência! Que cidades são essas que estamos produzindo em relação com a sociedade?”, questionou. A arquiteta observou também que se quisermos fazer cidades plurais e com sustentabilidade ambiental é preciso estar atento a essas diferenças. “Precisamos de renovações estruturais para melhorar a condição da vida das pessoas. Esse é o maior desafio, e para isso precisamos repensar os rumos do nosso fazer profissional”, destacou.
A mediadora Vera França e Leite identificou que são várias as problemáticas em relação a atual situação das cidades e do meio ambiente. “Vimos neste debate uma costura muita rica entre os convidados”, elogiou a mediadora. Para ela, citar o espaço das mulheres foi fundamental, pois é grande a necessidade de ver a mulher na sua totalidade. Vera também destacou que relembrar o Seminário Quitandinha é importante para entender que ele foi muito mais do que uma proposta ao governo de João Goulart, mas sim criou um paradigma novo, e fora da universidade. “Fizemos aqui uma conjugação de ideias e vamos para nossa revolução companheiros!”, incentivou Vera França.