Por Maria Elisa Baptista
Arquiteta e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas. E-mail: mariaelisabaptista@gmail.com

No início de agosto, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados nos convidou para debatermos a Carta aberta aos candidatos e às candidatas nas eleições deste ano. A carta, escrita pelas entidades e pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo, é um manifesto amplo sobre as urgências urbanas e a necessidade de políticas públicas inclusivas.

Neste ano em que celebramos o bicentenário da Independência, com eleições cruciais para o futuro de nossa gente, precisamos, ainda mais, debater propostas para um Brasil inclusivo, independente, generoso e feliz.

Vou me deter em um ponto basilar: a habitação. A habitação como tema transversal, um componente econômico, social, cultural e ambiental da maior importância. Um tema a ser tratado pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário, nas suas múltiplas abordagens. Um tema central nas reflexões e nas propostas de ação do Instituto de Arquitetos do Brasil, que aqui represento.

Em primeiro lugar, a habitação não é uma mercadoria. É um direito previsto na nossa Constituição. Todos sabemos que, nesses tempos tenebrosos, toda vez que reivindicamos um direito é preciso conquistá-lo de novo, e de novo. Pois é preciso que a moradia esteja em áreas urbanizadas, com infraestrutura, acesso, oferta de equipamentos de saúde, educação, cultura e lazer, trabalho, segurança. Deve ser de alta qualidade ambiental, funcional e estética.

As cidades são constituídas, principalmente, pela habitação. Morar é um ato universal, e, por ele, nos constituímos como sociedade. Os modos de morar estruturam nossa cultura, nossas prioridades, nossos relacionamentos.

Um segundo aspecto é a clara relação entre habitação e o direito à saúde. Das condições da moradia dependem as condições de saúde de todo o agrupamento familiar, principalmente crianças e velhos. Ventilação, estanqueidade, insolação., instalações sanitárias, água limpa. Podemos imaginar a tremenda economia no sistema de saúde se todas as pessoas morassem dignamente. Redução dos índices de tuberculose, difteria, tétano, doenças respiratórias e do trato intestinal, e muitas outras. Por isso precisamos ter arquitetos e urbanistas nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) para o trabalho integrado junto às Equipes de Saúde da Família (ESF/SUS), lado a lado com os profissionais da saúde e da assistência social.

Precisamos estar juntos promovendo a saúde da população, trabalhando a melhoria das moradias e do seu entorno, em programas de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS).

Um terceiro ponto é a relação entre habitação e o direito à educação, que também é uma relação direta: crianças que vivem em moradias salubres, seguras, confortáveis e belas têm chances muito maiores de desenvolvimento psíquico, motor e intelectual pleno. A habitação é, assim, também um investimento em educação, uma aposta no desenvolvimento das crianças e dos jovens. É também investimento em cultura. A moradia de qualidade propicia chances de encontro, interlocução, criatividade, inventividade.

Há, ainda, uma estreita ligação entre habitação e o direito ao meio ambiente e à proteção ambiental. Garantir moradia em lugares adequados para todas as pessoas reduzirá tremendamente o impacto em áreas de preservação, de abastecimento de água, em áreas agriculturáveis. Além disso, bons projetos de habitação funcionam como prevenção de riscos, tratando encostas e fundos de vale com competência técnica, articulados à leitura geomorfológica do território.

A moradia pode ser, ainda, instrumento de segurança alimentar. A agricultura urbana pode ser praticada em escalas que vão do peitoril da janela às lajes de cobertura, do pequeno quintal às praças e canteiros públicos.

A habitação pode e deve ser, além de tudo isso, um motor de inovação tecnológica, um setor importante da indústria e da economia, reduzindo o impacto ambiental das construções, propondo alternativas para economia de água, economia e geração de energia, reutilização de materiais, reciclagem tecnológica de resíduos, soluções avançadas para enfrentar as mudanças climáticas e o esgotamento de recursos naturais. É um campo que, tratado com a devida atenção, gerará empregos qualificados e formação de profissionais. A habitação deve ser considerada como componente essencial do complexo industrial estratégico.

A habitação, em seu sentido amplo, articulando moradia e cidade, é fator de redução da violência, em todas as escalas, gerando espaços urbanos e domésticos seguros.

Tudo isso significa para o país uma tremenda economia. Podemos dizer que não há nada mais barato para o Brasil que prover de moradia digna todas as pessoas.

Por fim, há ainda a questão primordial da beleza, essa que nos humaniza. Uma cidade em que todas as pessoas moram dignamente é uma cidade bela, uma cidade que constrói a paz e abriga o amor. Se quisermos avaliar os ganhos econômicos de uma cidade assim, diria que são cidades que atraem o turismo, que incentivam investimentos, que possibilitam trocas e riquezas.

E serão cidades resilientes, seguras, equitativas. E territórios que abrigam todas e todos, com seus modos de morar e viver.

Por isso, nós, arquitetas e urbanistas, trazemos para o debate a urgência de se tratar a provisão de habitação para todas as pessoas como tarefa de estado, inadiável.  A ser resolvida com ampla participação popular e firme assessoria técnica.